Comunicar a Fé



“[...] nós devemos procurar Deus e suplicar-lhe no mais profundo recesso da alma racional, a que se chama o homem interior”
(Santo Agostinho)
Sendo esse o primeiro (talvez não o único texto meu aqui), por cortesia, devo deixar duas advertências ao amigo leitor. Primeiro, que nos meus escritos você não encontrará um tratado, compêndio ou algum tipo de exegese — afinal eu não sou capaz de tanto. Tudo que você lerá serão apenas conversas amigáveis sobre algum tema do qual eu talvez ofereça alguma contribuição, mesmo que humílima. O segundo alerta é o de que haverá momentos em que meus papos ficarão excessivamente parecidos com uma aula de língua portuguesa. Não me leve a mal nessas horas, é só a força do hábito! Prometo que esses momentos não serão tão exaustivos. Mas se você chegar à exaustão, por favor, não durma!

Feitos esses alertas, podemos introduzir o nosso tópico de hoje...

É, sem dúvida, um engenhoso exercício de nossa faculdade da linguagem a utilização das mídias sociais. Compartilhamos algo no Facebook, postamos um story no Instagram, fazemos uma live no YouTube ou conversamos com alguém via WhatsApp com o objetivo de comunicar e de interagir. Mas, considerando nossa essência de cristãos batizados, há algumas questões que se levantam a nós: o que, a quem, como e por que comunicar? Nossa prosa de hoje será sobre mídias sociais, comunicação e fé.

A comunicação, por redes sociais (utilizarei aqui os termos “mídia social” e “rede social” como sinônimos, mas há diferença, certo? A diferença, no entanto, não é relevante para nosso papo de hoje), por mídias tradicionais ou pelo bom e velho olho-no-olho, sempre pode ser pensada sob diversos ângulos: pela óptica do entretenimento, do marketing, da informação, da troca de experiências, da promoção pessoal etc. As redes sociais são, em última análise, um produto de todas essas necessidades que temos, cada uma a seu tempo. Alguém dirá: redes sociais sempre existiram! De fato, após a conversão na estrada de Damasco, São Paulo construiu vastas redes sociais em suas viagens missionárias pelas primeiras comunidades cristãs. Mas, e disso não há quem discorde, as redes sociais digitais são um fenômeno relativamente recente e, devido a essa recentidade, temos muito o que discutir sobre elas para conviver bem por meio delas.

Lembro-me de, não muito tempo atrás, ouvir de pessoas já adultas quando começou essa revolução digital, que esse negócio todo de tecnologia digital seria a perdição do mundo. Dizendo de forma bem direta, como ouvi muitas vezes (algumas delas até em casa): esse negócio de Facebook/YouTube/WhatsApp e cia. é tudo coisa do encardido! Claro, hoje sabemos que não é bem assim! E parece que os tempos atuais, de distanciamento social causado pela covid-19, deixaram isso bem claro para aqueles que pensavam dessa forma.

Nossa discussão vai longe se não enfocarmos as questões levantadas no início. Vamos começar pela primeira pergunta: sendo um cristão batizado, o que posso e o que não posso curtir, comentar, compartilhar nessas redes? É óbvio que não apresentarei aqui uma receita de comportamento ideal de um cristão na Internet nem uma lista do que você pode ou não postar. Nosso objetivo será apenas pensar a respeito do uso das redes sociais por um cristão católico.

Para não falar de modo demasiadamente genérico, vamos tomar como base o Facebook. Quando você abre o seu aplicativo no celular ou o navegador da internet na página do “Face” (para os íntimos), uma pergunta aparece de cara: “no que você está pensando?”. O objetivo da rede social é apenas motivar você a publicar algo, mas, se pararmos e pensarmos com cuidado, podemos perceber o tamanho da responsabilidade que é responder a essa pergunta. Com essa simples questão, somos colocados diante de algo bastante desafiador: tornar público o nosso pensamento. Para tanto, precisamos fazer um, mesmo que rápido, exame de consciência — exercício que realizamos com mais fervor quando buscamos o sacramento da Confissão.

Se houvesse uma versão cristã do Facebook, essa pergunta poderia ser assim reescrita: “a boca fala aquilo que o coração tá cheio, não é mesmo? Pois diga aí, meu amigo, minha amiga: o que está passando por esse coração exatamente agora?”. Dizer aos outros o que passa no seu coração! Forte, né? E o seu coração é, em tese, inspirado pela Palavra e pela Eucaristia. Assim, dizer o que está no seu coração é apresentar ao mundo os efeitos da Igreja em sua vida. Até porque jamais podemos esquecer: a Igreja, presença do eterno em nosso mundo, existe em cada um de nós onde quer que estejamos, em nossas interações cotidianas, na intimidade do nosso lar ou no que expomos ao mundo via Internet.

A segunda pergunta que propus foi: a quem comunicar nas redes sociais? Santo Agostinho, na sua obra Confissões (por muitos considerada uma das maiores obras da literatura ocidental), diz que nosso objetivo quando usamos a linguagem é basicamente ensinar. Jamais faria jus à reflexão proposta por Santo Agostinho neste espaço, mas, em resumo, o santo bispo de Hipona expôs que, quando falamos, buscamos “ensinar” a quem nos ouve, ensinar sobre algum fato, assunto ou simplesmente ensinar a nossa opinião. De fato, quando ouvimos ou lemos o que alguém nos transmite, estamos aprendendo sempre um pouco mais do mundo, segundo a exposição do nosso interlocutor.

Devemos ter em mente, portanto, que nossos amigos virtuais, quando postamos algo, estão aprendendo algo de nós, conhecendo algo, superficial ou não, do nosso coração. A eles, a todos eles, devemos dar a chance de conhecer um coração próximo de Deus, um coração que, mesmo não correto, segue reto, apesar das vacilações, em direção à Vida Eterna. A todos eles, indistintamente, deve ser dada a chance de conhecer o bem que a Fé pode fazer a um coração.

A terceira pergunta, como comunicar — talvez seja a mais difícil de responder. Como dar aos meus amigos virtuais o conhecimento de um coração influenciado pelo coração santíssimo de Jesus? — E sim, caro leitor! O seu coração recebe essa influência do próprio Cristo, pois você vive a vida da Igreja que Ele mesmo instituiu.

Certamente, falamos de Deus, pensamos em Deus mesmo quando não declaramos isso abertamente, mas é preciso verbalizar no que acreditamos, declarar quem é o nosso Juiz, quem é a nossa Advogada, quem são nossos intercessores. São Paulo, na carta aos Romanos, é o fundamento disso: “Porém, como invocarão aquele em quem não têm fé? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão falar, se não houver quem pregue?” (Rm 10, 14). Devemos pregar o Evangelho a todo momento, inclusive com palavras!

Seria ingenuidade esperar que as postagens das redes sociais de todo cristão fossem uma grande “thread” de louvor a Deus. Igualmente, não podemos achar que aquele cristão que utiliza sua rede social para compartilhar palavras de amor e de fé, para rezar, está utilizando as redes sociais de modo equivocado. Deve haver, com efeito, em tudo que comunicamos, algo que seja um louvor aos dons que Deus nos dá.

Por essa razão, seja numa foto que postamos, seja numa publicação que compartilhamos e até mesmo naquilo que curtimos, deve haver um lampejo do que nos motiva: a alegria, a paz, a esperança e a liberdade próprias de um filho de Deus. A sua alegria, que pode ser manifestada tanto numa gargalhada como numa lágrima, pode inspirar os outros. A sua paz, evidente numa oração ou num momento de descontração, é capaz de contagiar. A sua esperança, revelada numa postagem reflexiva ou numa postagem bem-humorada, pode tirar outros da desesperança. A sua liberdade, que podemos enxergar quando você anuncia ou quando você denuncia algo, suscita nos outros o desejo de também ser livre. Sem perceber, você pode ensinar ao outro que a sua alegria, a sua paz, a sua esperança e a sua liberdade não são exclusivas suas, mas dons que Deus concede a todo aquele que O busca sinceramente.

E, não menos importante, a última questão: por que comunicar? Talvez já tenha ficado implícito no restante da minha prosa, mas não custa explicitar: um cristão não usa as redes sociais para dividir, para separar (afinal as origens das palavras ‘dividir’ e ‘diabo’ são a mesma!). Um cristão precisa também ocupar um espaço nas redes sociais porque elas são um robusto e dinâmico meio pelo qual se pode escancarar a beleza da busca pela felicidade definitiva do Céu. E, é claro, porque há momentos em que precisamos tomar uma posição em nome de nossa Fé, pois o ator da novela, o jogador de futebol, o cantor de que gostamos ou o youtuber que seguimos não o farão — refiro-me aqui a momentos de necessária defesa da vida, como nas sucessivas tentativas de descriminalização do aborto no Brasil.

Como resumo de tudo o que discutimos, podemos recorrer a um proficiente usuário das redes sociais, com mais de 40 milhões de seguidores, sendo o segundo líder mundial mais seguido no Twitter: nosso santo padre, Papa Francisco. O sumo pontífice declarou que “como cristãos somos chamados a manifestar, também nas redes, a comunhão que marca a nossa identidade de crentes, abrindo o caminho ao diálogo, ao encontro, ao sorriso”.

É, pois, o encontro, amigo leitor, nosso objetivo nas redes sociais. O encontro que vivifica, que edifica, que constrói pontes que com muito mais dificuldade seriam reerguidas sem o auxílio da Internet. A vida de Igreja não é mais restrita às quatro paredes e às duas fileiras de bancos de nossos templos. A nossa Igreja, que segue mais viva do que nunca, precisa de nosso testemunho constante, nas vinte e quatro horas de nosso dia, incluindo as tantas horas que passamos nas redes sociais, não deixando de usar, vale lembrar, os sete dons (principalmente o entendimento) e as sete virtudes (principalmente a prudência) que o Espírito Santo derrama sobre todos nós.

Nossa santa Mãe, a Virgem Maria, ensinou a nós a importância de ir ao encontro, quando venceu toda sorte de dificuldade para encontrar sua prima Isabel. Que ela nos inspire a sermos sinais da ação salvadora de seu divino Filho a todos e a todo momento, na interação física ou virtual, e a fazer o que Ele disser também nas redes sociais.

Rivanildo da Silva Borges
Membro da Pastoral Familiar e Professor de Língua Portuguesa

SANTO AGOSTINHO, Confissões, De Magistro, Capítulo I, Finalidade da Linguagem. Disponível em: https://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_confissoes.pdf. Acesso em: 12 de maio de 2020.
LIBÓRIO, Bárbara. Segundo líder mundial mais seguido no Twitter, Papa escreve seus próprios tuítes — e nunca caiu em fakenews. Época. Disponível em: https://epoca.globo.com/segundo-lider-mundial-mais-seguido-no-twitter-papa-escreve-seus-proprios-tuites-e-nunca-caiu-em-fake-news-23639402. Acesso em: 11 de maio de 2020.
PAPA FRANCISCO. Perfil oficial no Twitter. Disponível em: https://twitter.com/pontifex_pt/status/1135086144717090816. Acesso em: 12 de maio de 2020.

Comentários

POSTAGENS MAIS VISTAS

Solenidade de Pentecostes

Dizimistas Aniversariantes do Mês de Fevereiro

“Essa é a minha missão". Disse Padre Frei Clemilson em sua missa de envio para Palmeirais